O extraordinário legado dos monumentos brutalistas jugoslavos

A estrada sobe por florestas de pinheiros, doze quilómetros de curvas e contra acurvas, antes de emergir para uma clareira no ponto mais alto de Petrova Gora. Ali, uma série de monumentos brutalistas em ruínas, as conchas de um antigo centro de visitantes, ficam abandonadas à sombra de um titã azul-prateado.

Monumento de Petrova Gora, disenhado por Vojin Bakic, dedicado ao povo de Kordun e Banija que morreu durante a II GM. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Este gigante de betão/concreto ondulante, revestido de escamas de aço inoxidável, é o Monumento à Revolta do Povo de Kordun e Banija, um memorial que se eleva a 36,5 metros de altura no pico da montanha. Na maioria das outras cidades do mundo, seria um marco extraordinário, uma estrutura verdadeiramente única, tanto em tamanho como em desenho. Mas aqui, perdido num mar de montanhas e florestas verdejantes, o edifício é ainda mais estranho pela sua solidão.

A casa memorial em Petrova Gora é uma das muitas centenas de “estranhos” monumentos brutalistas de grandes dimensões que foram construídos pela antiga Jugoslávia durante os anos 60, 70 e 80 em todos os antigos estados constituintes do país. Estes memoriais de guerra jugoslavos – muitas vezes apelidados de “spomeniks” pelos media ocidentais – ganharam muita visibilidade na internet nos últimos anos. No entanto, como imagens virais, elas são cada vez mais tiradas do contexto.

Monumento em Ilirska Bistrica, Eslovénia. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Os monumentos costumam ser descritos como “abandonados” e “esquecidos”, ou colocados sob o título de “monumentos comunistas”. Na realidade, porém, esses desenhos abstractos expressaram mais do que simples filiações políticas, e muitos ainda servem às suas comunidades para os mesmos fins para os quais foram construídos. Poucos dos monumentos são esquecidos; “órfãos” podia ser uma palavra melhor. Eles permanecem como crianças de um estado desaparecido agora espalhados como marcadores de memória por uma paisagem balcânica pós-Jugoslava.

Estas estruturas monumentais foram construídas para comemorar as terríveis batalhas, as execuções em massa e os campos de concentração que marcaram os Balcãs durante a Segunda Guerra Mundial. Comemoram as vítimas do longo conflito entre os partidários jugoslavos e as forças nazis ocupantes a que as histórias locais proclamam de Luta de Libertação Nacional.

Memorial à libertação de Sanski Most, na Bósnia e Herzegovina. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Com as suas formas selvagens e futuristas, os monumentos, pelo design, também olhavam incessantemente para o futuro. Representando foguetes e torres, punhos, flores, estrelas e asas, esses monólitos de aço e betão/concreto não se debruçavam sobre imagens de sofrimento, mas sim simbolizavam temas mais amplos de luta antifascista e a vitória da vida sobre a morte.

Em vez de se concentrar nos indivíduos – um herói bósnio, um sérvio ou um croata – os monumentos brutalistas da Jugoslávia multiétnica e socialista também foram concebidos para celebrar os ideais universais. “Irmandade e Unidade” tornou-se o slogan da Jugoslávia do pós-guerra, e a abstração desses monumentos foi um gesto de inclusividade. Muitas vezes, os monumentos eram formados a partir de múltiplos segmentos que se erguiam juntos sem se tocarem entre si e que, no entanto, à distância, podiam ser vistos como um único objeto, uma alegoria para a própria Jugoslávia.

Criado pelo escultor Ivan Sabolic, este monumento que representa três punhos cerrados comemora as 10 mil pessoas de Nis e sul da Sérvia que foram mortas durante a IIGM. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Os monumentos tornaram-se também uma declaração da independência da Jugoslávia liberal em relação à esfera de influência soviética. Enquanto a União Soviética tinha imposto um regime artístico de formalismo aos seus Estados-membros e satélites – estalinista-clássico, socialista-realista – os memoriais jugoslavos abstractos eram quase um símbolo do desafio dos Balcãs. O pesquisador Robert Burghardt descreve a arquitectura abstrata destes como “uma manifestação visual da emancipação do domínio estalinista do realismo socialista no bloco oriental”.

O Complexo Memorial de Kadinjaca homenageia os caídos na Batalha de Kadinjaca, na Sérvia. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Enquanto algumas fontes sugerem que este movimento na arquitectura monumental foi coordenado centralmente pelas autoridades jugoslavas, mesmo pelo então presidente Josip Broz Tito, a verdade é que muitos destes sítios memoriais nasceram de iniciativas ao nível local. Eram frequentemente criados por colectivos de trabalhadores, instituições culturais e concursos de arquitetura. Alguns projetos foram aprovados para financiamento pelos governos da Jugoslávia, e alguns foram até visitados pelo presidente Tito. Mas em outros casos – o parque memorial no Monte Kozara, na Bósnia, por exemplo – os monumentos foram erguidos usando apenas as doações voluntárias.

No seu auge, os locais memoriais jugoslavos formaram uma rede física de centros de educação e “memorialização”, espalhados pelas seis repúblicas (Sérvia, Croácia, Eslovénia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Macedónia) e duas províncias autónomas (Kosovo e Voivodina) que formaram a união. Eles traçaram o curso da Luta de Libertação Nacional, uma batalha de cada vez, registrando os lugares onde o povo jugoslavo tinha sido sacrificado, sofrido ou realizado ações incríveis.

O monumento Krusevo (na Macedónia) é dedicado à Revolta de Ilinden em 1903, quando o povo se levantou contra o império otomano. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Muitas vezes os complexos memoriais eram equipados com museus ou teatros de palestras, e as crianças visitavam-nos como parte do seu currículo histórico. Estes lugares prosperaram como centros de educação e de recordação – até que o país que os criou se desmoronou.

A Jugoslávia morreu nos anos 90, quando as repúblicas que a constituíam se separaram em favor de um governo independente. Os monumentos brutalistas tornaram-se símbolos indesejáveis da união da Jugoslávia nos países onde as pessoas lutavam agora para se libertarem do domínio jugoslavo. Como resultado, muitos desses locais memoriais foram destruídos.

Spomenik desenhado por Bogdan Bogdanovic em 1973, dedicado aos partisans sérvios e albaneses, no Kosovo. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

A Jugoslávia tinha a maior escultura pós-moderna do mundo: um par de asas abstratas de 30 metros, o Monumento à Vitória do Povo da Eslavônia, em Kamenska, na Croácia moderna. Foram necessários mais de 10 anos para o construir, mas em 1992, no calor da Guerra da Independência croata, o exército usou dinamite para derrubar este símbolo jugoslavo. Muitos outros se seguiriam.

Dos milhares de monumentos abstratos que outrora pontilharam nas montanhas e cidades da Jugoslávia, hoje permanece apenas uma fração. Aqueles que não foram destruídos nas guerras como alvos simbólicos do sentimento anti-jugoslavo foram em muitos casos negligenciados, grafitados, ou vandalizados depois. Mas então, depois de décadas de uso e adoração, seguidas de décadas de danos e decadência, uma coisa estranha aconteceu com esses monumentos. A internet encontrou-os!

O singular monumento da revolta do povo da Moslavina é a obra do escultor Dusan Dzamonja e pode ser visto em Podgaric, Croácia. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

O fotógrafo belga Jan Kempenaers trouxe os memoriais jugoslavos da Luta de Libertação Nacional para os holofotes globais em 2010. Ele publicou uma coleção que detalhava uma série de formas de aspecto triste, que se desvaneceram nos campos e paisagens de montanha, o que rapidamente despertou interesse em todo o mundo.

O livro de Kempenaers chama-se Spomenik, emprestando a palavra Servo-Croata para “monumento”. Outros meios de comunicação seguiram o exemplo, e o termo “spomeniks” é agora comumente usado para descrever essas estruturas. A linguagem visual do Spomenik de Kempenaers convidou ao sensacionalismo. As imagens faziam estes lugares parecerem desanimadores – as cores desbotadas, os visitantes mantinham-se cuidadosamente fora de cena – de modo que as manchetes escreviam: “Monumentos Comunistas Abandonados”. Muito poucos dos monumentos jugoslavos sobreviventes estão, de facto, abandonados. O “Ilinden Spomenik”, em Kruševo, Macedónia, contém um museu colorido que traça a história revolucionária local. As localidades de Kozara e Tjentiste, na Bósnia e Herzegovina, também têm museus funcionais (embora estes sejam normalmente abertos apenas a pedido).

Monumento de 1966, dedicado às vítimas do campo de concentração de Jasenovac, na Croácia. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Em Jasenovac, na Croácia, onde o monumento “Flor de Pedra” vigia o local de um antigo campo de concentração, um complexo museológico hospeda encontros anuais de lembranças onde centenas de participantes se aglomeram no parque no aniversário da libertação do campo.

A obra do escultor Miodrag Zivkovic dedicada à Batalha de Sutjeska, uma das mais sangrentas da II guerra mundial. Parque Nacional de Sutjeska, Bósnia e Herzegovina. © Into the Balkans

Na Sérvia, entretanto, os locais memoriais em Kruševac e Kragujevac continuam a atrair dezenas de turistas domésticos e sobrevivem como poderosos símbolos da identidade nacional sérvia. Mesmo nos sítios menores, nos “spomeniks” menos visitados, as provas de visitas regulares podem ser encontradas frequentemente na forma de flores, grinaldas e velas.

Memorial aos caídos em Kolasin, Montenegro. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

A região dos Balcãs não é rica. Muitas centenas de casas habitadas ainda estão marcadas com buracos de bala das guerras que ocorreram há um quarto de século. Em tais circunstâncias, é errado supor que um monumento não é valorizado simplesmente porque não é mantido. Perto de Sisak, na Croácia, há um bosque na floresta onde se formou o primeiro destacamento partidário anti-fascista do país. Se visitar o lugar hoje em dia e ele parecerá remoto, uma torre solitária no meio das árvores, e palavras como “esquecido” ou “abandonado” brotam rapidamente na mente. Mas ramos de flores frescas, deitadas sobre uma pedra gravada, contam uma história diferente.

O monumento Kosmaj na montanha de mesmo nome em memória dos esquadrões de partisans essenciais na Luta de Libertação. Nos arredores de Belgrado, Sérvia. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

O monumento Sisak, um conjunto de dedos de betão/concreto que se erguem juntos numa torre tubular, foi pintado nos últimos anos. A frente é limpa e branca, enquanto os lados do monumento, e a retaguarda, mostram o betão/concreto cinza desbotado. Parece que, qualquer que seja o grupo local que ainda se preocupa com este lugar, eles não podiam dar-se ao luxo de pintar a estrutura na sua totalidade. Em vez disso, criaram uma ilusão: ficando num determinado lugar, e vendo do ângulo certo, este memorial antifascista ainda é tão esperançoso e otimista, como sempre foi.

Na vila de Korenica, perto da fronteira entre a Croácia e a Bósnia, encontra-se este monumento que celebra a vitória da Jugoslávia na 2ª Guerra Mundial. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

Memorial aos partisans – grupos de guerrilheiros comunistas que lutaram contra a ocupação fascista e nazi durante a 2ª Guerra Mundial, em Knin, Croácia. © Jan Kempenaers (School of Arts Ghent)

 

Outras leituras de interesse:

 

In: atlasobscura.com
Autor: Darmon Richter
Tradução: Into the Balkans

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