Quando fomos heróis: Estrela Vermelha 1991

O mundo do futebol está revestido de um halo de heroísmo inegável. Constrói a sua história através de mitos, de proezas e, como não podia deixar de ser, de vitórias heróicas. É o caso da grande vitória do Estrela Vermelha de Belgrado (Fudbalski klub Crvena Zvezda Beograd) a 29 de maio de 1991 em Bari contra o Olympique de Marselha na final da antiga Taça dos Clubes Campeões da Europa, atual Liga dos Campeões. Foi o culminar de um sonho ansiosamente esperado e a consagração de uma equipa mítica, cujos integrantes passariam à história do futebol em várias das grandes equipas ao longo dos anos noventa.

Mas chegar a este ponto de grande reconhecimento mundial levou muito tempo e grandes esforços. O clube tinha nascido em 1945 no meio do complicado ambiente de pós-guerra como Sociedade de Jovens de Cultura Física, um clube desportivo surgido no seio da Liga Juvenil Antifascista da Sérvia Unida. Quando a competição nacional jugoslava se reiniciou, o novo clube incorporou boa parte do plantel (e as instalações desportivas) do infame SK Jugoslavija, clube acusado, pelas autoridades comunistas, de colaborar com o nazismo. Deste velho clube de futebol herdou até o vestuário, as clássicas franjas brancas e vermelhas.

Teve que esperar até 1953 para poder ganhar o seu primeiro campeonato, após o qual teve uma grande onda de vitórias nos campeonatos jugoslavos que o tornaram o preferido dos sérvios em pouco tempo. Este grande início culminou com a presença pela primeira vez na grande competição europeia de clubes na temporada 1957-1958 onde foram eliminados pelo não menos mítico Manchester United de Matt Busby que seria tristemente famoso pelo acidente de avião que acabou com a vida de 23 pessoas, entre eles 8 jogadores. Precisamente o encontro da segunda mão contra o Estrela Vermelha em Belgrado foi o último dos ‘Busby Babes’ antes do fatídico acidente ocorrido no regresso a Manchester após paragem em Munique para atestar o avião.

Após esta primeira tentativa europeia e uma vez confirmado o domínio no campeonato nacional, o Estrela Vermelha saboreou o êxito internacional pela primeira vez em 1958 ao ganhar a Taça Mitropa, um pequeno torneio que se celebrava na pré-temporada. Apenas na temporada 1978-1979 chegaria à sua primeira final europeia, a Taça UEFA, que perdeu contra o Borussia Mönchengladbach após um penalti duvidoso transformado por Allan Simonsen no jogo da segunda mão.

Foi uma derrota pesada e que parecia impossibilitar que uma equipa jugoslava pudesse alguma vez ganhar um título europeu. Em 1966 o Real Madrid deixou o eterno rival da cidade, o Partizan de Belgrado, com água na boca na final da Taça dos Clubes Campeões da Europa. Mas as coisas começaram a mudar em meados dos anos 80 com a chegada ao clube de um novo diretor desportivo, Dragan Džajic, o ‘Mago Dragan’, ex-jogador considerado um dos melhores futebolistas de que na Jugoslávia há memória.

Džajic iniciou o seu glorioso percurso em 1986 mudando a filosofia do clube e apostando por um futebol atrativo e arriscado, e com ele chegaram grandes futebolistas como o croata Robert Prosinecki, o macedónio Darko Pancev, o romeno Miograd Belodedici, ou os sensacionais Dejan Savicevic, Vladimir Jugovic e Sinisa Mihajlovic. Tinha em mente um claro objetivo, conseguir a ansiada Taça da Europa num prazo de cinco anos, algo que conseguiria nessa mítica final de Bari em 1991.

O Estrela Vermelha apresentou-se na Taça da Europa de 1990-1991 com um curriculum magnífico como campeão da liga e taça e com um plantel excepcional, cujas principais estrelas já tinham deslumbrado no Mundial de Itália 90 contra a poderosa Argentina de Maradona. Mas conseguir este ansiado troféu, o único alcançado por uma equipa jugoslava, não ia ser nada fácil.

Nessa temporada as equipas inglesas regressaram à competição, excepto o Liverpool, após a dura sanção da UEFA pela tragédia no estádio de Heysel em 1985. Também formavam parte da competição europeia grandes equipas como o Real Madrid, o poderoso Bayern de Munique ou o surpreendente Olympique de Marselha, que de resto seria finalista e futuro campeão em 1993.

O Estrela Vermelha deslumbrou com um futebol magnífico mas teve que enfrentar duros rivais, começando pelo difícil Glagow Rangers nos oitavos de final e o Dynamo Dresden num jogo de segunda mão com graves incidentes no estádio alemão que obrigaram o árbitro a decretar o final do jogo ao minuto 78. Culminando a façanha numa semifinal mítica frente a um grande clássico europeu como o  Bayern de Munique, conseguindo ganhar 1-2 na Alemanha e empatar a 2 no pequeno ‘Marakanã’ de Belgrado num jogo agonizante com um auto-golo de Augenthaler no minuto 90 que levou os jugoslavos à final.

O jovem plantel alinhavado com paciência ao longo de cinco longos anos por Dragan Džajic tinha, finalmente, chegado ao seu objetivo: a grande final europeia, a porta da glória internacional. O rival estava à altura das circunstâncias, era a outra equipa da moda na Europa, o brilhante Olympique de Marselha de jogadores como Basile Boli, Abédi Pelé ou Jean Pierre Papin, que seria Bola de Ouro nesse mesmo ano de 1991.

Estrela Vermelha 1991

Ambas equipas tinham mostrado um futebol ofensivo durante a competição mas a realidade foi diferente, e a pressão fez com que os treinadores pusessem em prática um jogo muito tático que acabou com um empate a zero.

As duas equipas entraram no estádio San Nicola de Bari a rebentar pelas costuras com 56.000 espectadores no dia 29 de maio de 1991 com o objetivo de conseguir o seu primeiro ceptro europeu. O jogo foi mais defensivo do que se esperava, mas nem por isso menos épico e atrativo. Não foi duro e ambas as equipas tentaram, sem muito êxito, exibir o seu melhor futebol.

Chegou-se ao prolongamento sem que se conseguisse alterar o marcador, mas com o ingrediente extra da entrada em campo ao minuto 112 de Dragan Stojkovic, jogador jugoslavo vendido pelo Estrela Vermelha ao Olympique nesse mesmo verão. Ninguém queria dar o braço a torcer e menos a escassos minutos do final do jogo. A fatídica ronda de penaltis fez do San Nicola um campo de nervos.

Stojkovic, segundo o seu treinador, por amor à antiga equipa, não quis formar parte dos homens que deviam lançar os penáltis. Todos os lançadores do Estrela Vermelha acertaram os disparos, mas o francês Manuel Amorós falhou precisamente o primeiro penálti. A última defesa do gaurda-redes Stojanovic e o tiro certeiro de Pancev levaram à loucura jugoslava. Nascia o mito do Estrela Vermelha que após mais de duas horas de um jogo eletrizante, conseguia finalmente a desejada Taça da Europa.

Infelizmente, e como costuma acontecer com muitas grandes equipas, depois da vitória a equipa desmembrou-se com as vendas no verão. Prosinecki foi para o Real Madrid, o herói da final, Stojanovic, foi para o Amberes e Sabanadzovic para o AEK de Atenas, mas ainda assim a equipa conseguiu ganhar a Taça Intercontinental frente ao Colo-Colo chileno em Tóquio.

No ano seguinte o sonho esfumou-se definitivamente com as saídas de Pancev (Inter), Savisevic (Milan) e Mihajlovic (Roma) e com o início do pesadelo da guerra. O mito do Estrela Vermelha seria efémero, mas perdurará na memória dos adeptos de futebol como uma das melhores equipas da história.

Resumo do jogo e penáltis em https://www.youtube.com/watch?v=2tkkqWJ7zP0

 

In: http://revistabalcanes.com/cuando-eramos-heroes-estrella-roja-1991/

Fotos: http://revistabalcanes.com/cuando-eramos-heroes-estrella-roja-1991/

Tradução: Into the Balkans

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