A Yugo-nostalgia é a moda do momento!
O passado comunista da Sérvia está a transformar-se num empreendimento capitalista lucrativo.
Para muitos sérvios, o dia 25 de maio será para sempre conhecido como o aniversário de Josip Broz Tito, o antigo líder comunista da Jugoslávia socialista, do qual a Sérvia fez parte até 1992. Para Ralph van der Zijden, 25 de maio é também o aniversário do início de um negócio que transforma memórias de um passado comunista em lucro capitalista, atraindo turistas de todo o mundo.
Em 2015, o holandês – que vive em Belgrado – lançou o Yugotour, uma visita guiada pelo que sobra da era de Tito em Yugos, os automóveis com design simples e baratos que se tornaram um símbolo da Jugoslávia socialista. Três anos depois, a firma está entre uma série de empresas sérvias emergentes que exploram o crescente interesse de turistas estrangeiros na Europa Central e de Leste pós-comunista.
O romance da Sérvia com o passado começou logo após o desmembramento do que era formalmente conhecido como a República Socialista Federal da Jugoslávia em 1992, um caso similar ao da Alemanha no que toca à vida na sua antiga zona leste. Mas ao contrário da Alemanha de Leste, a Sérvia sofreu guerras, divisões e secessões após o fim do comunismo, e assumiu sua atual forma política apenas em 2008, depois da separação do Kosovo [não reconhecida pelo Governo sérvio, sendo legalmente ainda uma região da Sérvia]. Agora, que se instala uma nova identidade, a Sérvia está a usar cada vez mais a sua nostalgia de uma época passada para atrair o mundo exterior.
Há O Yugodom, um apartamento que se transformou em museu no centro de Belgrado, cheio de objetos domésticos da era Jugoslava: móveis de estilo socialista, relógios, decoração de parede, livros e louças. Os visitantes podem passar a noite lá. Quando o designer Mario Milaković lançou o projecto em 2013, apenas alugava um quarto para estadias curtas e morava sozinho no resto do apartamento. Agora, a procura por estadias curtas é tal que ele aluga todo o apartamento. Além dos turistas estrangeiros, também os locais alugam o Yugodom para sessões de fotos, filmam videoclipes, anúncios e até filmes.
A popularidade do mausoléu “Casa das Flores” de Tito entre os yugo-nostálgicos e os turistas, dizem os especialistas da indústria, é em parte, a razão porque as multidões lotam o Museu da Jugoslávia, que o hospeda. Um dos museus mais visitados da Sérvia, recebeu mais de 120.000 visitantes em 2017. E não são apenas visitas em grupo; são também os turistas individuais que aumentam essa popularidade, diz Ivan Manojlović, responsável pelo desenvolvimento do programa do museu.
Há um tour de autocarro pela arquitetura jugoslava que inclui visitas a alguns dos marcos mais proeminentes de Belgrado. Passeios guiados de bicicleta e passeios “comunistas” por Novi Beograd (Nova Belgrado, parte da cidade) surgiram na última década, levando turistas a explorarem a arquitetura socialista. E, embora não haja uma contagem oficial do número desses passeios, um apetite crescente entre os turistas está a fazer com que os operadores se expandam.
Os responsáveis pela Yugotour, que começou com um carro Yugo, tiveram que pedir a amigos que tinham veículos idênticos que lhos vendessem ou emprestassem. A Yugotour possui agora sete Yugos, e aluga mais para grupos grandes. Neste verão, a Yugotour duplicou os seus passeios semanais – de dois para quatro – para atender à crescente procura dos turistas. “Está a crescer, especialmente, o interesse pela arquitetura socialista”, diz Ralph van der Zijden.
É uma questão simples que atrai muitos turistas estrangeiros para esses passeios nostálgicos, diz o sociólogo Dario Hajrić: Porque há tantos habitantes locais nostálgicos sobre a Jugoslávia socialista? Para esses sérvios, a resposta é igualmente direta. A “ditadura branda” de Tito é vista por muitos como melhor do que a insegurança que se seguiu à separação da Iugoslávia, um evento que 81% dos sérvios descreveram como nocivo numa pesquisa de 2016.
Não surpreende, portanto, que a Sérvia tenha pontos onde os cidadãos locais possam relembrar a era de Tito. O aniversário do ex-líder e outros feriados da Jugoslávia são celebrados no parque temático Yugoland, perto de Subotica, no norte da Sérvia, construído pelo empresário Blaško Gabrić como uma “mini-Jugoslávia”. Aqui, os visitantes podem escalar uma imitação do Monte Triglav (hoje na Eslovénia), contemplar o rio Vardar (a maior parte na Macedónia) ou desfrutar de versões mini de outras características geográficas proeminentes da antiga Jugoslávia. [No fundo uma espécie de Portugal dos pequenitos].
Mas, embora este parque temático, lançado no início dos anos 2000, tenha começado por atrair principalmente visitantes locais que são “Yugo-nostálgicos de terceira idade”, agora atrai jovens visitantes estrangeiros, segundo o gerente da Yugoland, Goran Gabrić. Alguns jovens visitantes da Europa e da Ásia até acabam por se voluntariar no parque e ajudar com o paisagismo, e construindo ou decorando memoriais.
Outros estabelecimentos estão se a focar nos turistas estrangeiros com muito mais clareza. Um dos segredos de vendas da Yugotour, por exemplo, é ver os próprios carros. Mesmo antes do início da excursão, os turistas experimentam os veículos, alguns dos quais foram transmitidos de geração em geração antes de chegar à empresa e que ainda têm vestígios do uso por proprietários anteriores – rótulos, botões, contas de combustível e alguns interiores costurados à mão. “Tudo isso contribui para a autenticidade dos nossos passeios”, diz Jovana Stojiljković, gerente da Yugotour. O crescimento da empresa sugere que a estratégia está a funcionar.
Milaković, o designer, queria mostrar uma casa típica da era jugoslava, e por isso criou o Yugodom. Mas um museu sobre como se vivia na época de Tito, concluiu ele, não estaria completo a menos que os visitantes pudessem experimentar essa vida. Hoje, o museu recebe hóspedes de todo o mundo e das antigas repúblicas jugoslavas. Um casal de sérvios yugo-nostálgicos celebrou o seu aniversário de casamento hospedando-se no “museu”, diz Milaković.
Os visitantes do Yugodom, diz ele, estão mais interessados na estética de design da Jugoslávia socialista do que na Yugo-nostalgia. Mas o que mantém vivo o interesse e a curiosidade sobre a Jugoslávia comunista é um sentimento de anseio por uma vida boa, diz Hajrić. “Educação e saúde gratuitas, emprego, habitação … estavam disponíveis para todos”, lembra ele, acrescentando que os estados sucessores da Jugoslávia socialista falharam em fornecer aos cidadãos “até a segurança de que a educação proporcionará empregos e empregos proporcionarão salários.”
Para Hajrić, o interesse dos turistas estrangeiros em projetos centrados na Yugo-nostalgia não é tanto uma idealização da antiga Jugoslávia, mas mais uma crítica ao presente. Ele cita o célebre jornalista croata Viktor Ivančić, perguntando: “E se o nosso passado for a melhor crítica do nosso presente? E se a memória é um ato de resistência? Atos de “resistência” muitas vezes podem custar caro. No caso do Yugo-turismo, no entanto, essa “crítica” está a mostrar-se lucrativa.
Outras leituras de interesse:
• O famoso “comboio azul” da Jugoslávia comunista pode agora ser visitado
• Explorar um país que já não existe num autêntico carro Yugo!
• A grandiosidade modernista de Belgrado: a arquitetura brutalista
In: https://www.ozy.com/fast-forward/yugo-nostalgia-is-now-a-thing/87355. Autor: Lidija Pisker
Tradução e adaptação: Into the Balkans